Quando BRK Ambiental anunciou que vai recorrer da decisão judicial que negou a liminarBlumenau, a ação da Prefeitura de Blumenau colocou em risco R$ 300 milhões de investimentos previstos no quinto aditivo ao contrato de esgotamento sanitário. A empresa ressalta que a medida ameaça a sanitização completa da cidade e pode atrasar metas de universalização do saneamento, enquanto outros tribunais já têm rulings contra a mesma companhia. Em Limeira (São Paulo), o Juiz Paulo Henrique Stahlberg Natal condenou a BRK a pagar R$ 300 mil por danos morais coletivos e a melhorar a qualidade da água, conforme denúncia do Ministério Público do Estado de São Paulo. Em São José de Ribamar (Maranhão) e no Tocantins, decisões semelhantes também limitaram as atividades da empresa. O que está em jogo, portanto, não é só um contrato – é a credibilidade de um setor que ainda luta para levar água e esgoto de qualidade a milhões de brasileiros.
Contexto da disputa em Blumenau
A BRK Ambiental iniciou a concessão do saneamento em Blumenau em 2017, quando recebeu um contrato de 30 anos para operar o sistema de esgotamento. Em 2023, as partes firmaram um quinto aditivo que previa R$ 300 milhões em investimentos para ampliar a rede, incluir áreas rurais e modernizar estações de tratamento. No entanto, a Prefeitura de Blumenau revogou o aditivo em junho de 2024, alegando supostas irregularidades na execução dos projetos. A justificativa oficial da prefeitura foi que a empresa não teria cumprido prazos críticos, embora a BRK afirme que atrasos foram consequência de fatores externos, como a escassez de mão‑de‑obra especializada.
A decisão judicial que negou a liminar – proferida pela 2ª Vara Cível da Comarca de Blumenau – impede que a empresa suspenda a revogação enquanto o recurso está em análise. Em palavras do relator, “a cautela deve prevalecer para garantir a segurança jurídica das partes, mas não se pode admitir que investimentos de escala nacional sejam paralisados sem avaliação técnica”. Essa frase, embora formal, traz na prática o medo de que R$ 300 milhões deixem de ser aplicados, comprometendo projetos que já estão em fase de obra.
Histórico de investimentos da BRK e o quinto aditivo
Desde o início da concessão, a BRK Ambiental investiu cerca de R$ 400 milhões no sistema de esgotamento sanitário de Blumenau. Desses recursos, R$ 120 milhões foram destinados à ampliação da rede principal, R$ 180 milhões à construção de três novas estações de tratamento e R$ 100 milhões a programas de educação ambiental nas escolas municipais.
O quinto aditivo, porém, tinha um papel específico: financiar a expansão para os bairros de Ribeirão do Meio e Vila Nova, além da implementação de um sistema de coleta seletiva de resíduos sólidos nas áreas de mais difícil acesso. Segundo o contrato, o desembolso desses recursos seria condicionado à obtenção de licenças ambientais até o final de 2025. A revogação, portanto, não apenas retira o dinheiro, mas também quebra a cadeia de licenciamento que já estava em curso.
Outros processos judiciais que envolvem a BRK Ambiental
O caso de Blumenau é apenas a ponta do iceberg. Em São José de Ribamar, capital do Maranhão, a Justiça condenou a empresa e o município a executar obras de drenagem na rua Alto Turu, após a BRK alegar que havia concluído a implantação de redes de abastecimento em 11 de setembro de 2017, mas sem a pavimentação adequada. O juiz local determinou que a empresa faça o reaterro com material seco e compacidade, sob pena de multa diária de R$ 5 mil.
Já em Limeira, Juiz Paulo Henrique Stahlberg Natal analisou um laudo pericial que revelou a presença de fenol quatro vezes acima do limite permitido pelo Ministério da Saúde em amostras coletadas em setembro de 2019. O juiz considerou que o odor de perfume e o sabor adocicado representavam risco à saúde pública, impondo à BRK a obrigação de melhorar a qualidade da água e oferecer alternativas de abastecimento quando houver cortes superiores a 12 horas.
No Tocantins, um caso diferente chegou ao tribunal: a empresa havia cobrado taxa de religação de água de consumidores que tinham perdido o fornecimento por inadimplência. O juiz acolheu o pedido do Ministério Público para que a cobrança fosse considerada ilegal, citando a Constituição Federal e a Lei nº 14.026/2020, e determinou a devolução dos valores já pagos.

Repercussões para o saneamento e a segurança jurídica
Todos esses processos têm um ponto em comum: eles afetam a percepção de risco dos investidores. Quando um contrato de R$ 300 milhões fica vulnerável a revogações e recursos, bancos de desenvolvimento – como o BNDES – ficam mais cautelosos ao liberar linhas de crédito para expansão de saneamento em outras cidades. Além disso, a própria população sente o impacto. Em Blumenau, moradores da região de Ribeirão do Meio já relataram atraso na conclusão das obras, o que implica que ainda há milhares de famílias sem acesso ao esgoto tratado.
Para o setor como um todo, a sequência de decisões judiciais aponta para a necessidade de revisitar cláusulas contratuais, tornar os indicadores de performance mais claros e garantir auditorias independentes. O Ministério Público de São Paulo, por exemplo, tem cobrado que as concessionárias publiquem relatórios trimestrais de qualidade da água, algo que ainda não está padronizado em nível nacional.
O que vem a seguir? Recursos, negociações e possíveis cenários
A BRK Ambiental já protocolou recurso contra a decisão de Blumenau na 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. O recurso inclui um laudo técnico de engenharia que demonstra que a revogação violaria cláusulas de investimento garantido e aumentaria o custo total do projeto em cerca de R$ 150 milhões, caso a empresa tenha que renegociar todo o aditivo.
Enquanto isso, a Prefeitura de Blumenau busca uma solução conciliatória para evitar que a população sofra mais atrasos. Fontes próximas ao gabinete municipal afirmam que há propostas de renegociação que incluiriam metas de entrega mais flexíveis, mas ainda exigiriam garantias de pagamento.
Se a BRK perder o recurso, a empresa pode recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em contrapartida, um acórdão favorável poderia abrir precedentes para que outros municípios mantenham aditivos semelhantes, fortalecendo a segurança jurídica das concessões de saneamento em todo o país.

Antecedentes e panorama do saneamento no Brasil
O Programa Nacional de Saneamento Básico (PNSB), lançado em 2007, estabeleceu a meta de universalização do acesso à água e ao esgoto até 2033. Contudo, o último levantamento do Instituto Trata Brasil, divulgado em março de 2024, mostrou que ainda 35 % da população não tem acesso a esgoto tratado. Concessões privadas, como a da BRK Ambiental, foram incentivadas como forma de acelerar investimentos, mas a falta de clareza contratual tem gerado disputas judiciais como as descritas acima.
Especialistas em infraestrutura apontam que a solução passa por contratos mais robustos, auditorias regulares e mecanismos de resolução de conflitos que evitem a judicialização. “É preciso transformar a disputa em cooperação”, sugere a economista Ana Lúcia Ribeiro, da FGV, que acompanha o setor há duas décadas. Ela lembra que, em 2019, a Anvisa reforçou normas para controle de fenol em água potável, mas a aplicação prática ainda depende da capacidade operacional das concessionárias.
Perguntas Frequentes
Como a revogação do quinto aditivo pode afetar os moradores de Blumenau?
A suspensão dos R$ 300 milhões previstos compromete a conclusão das obras nas regiões de Ribeirão do Meio e Vila Nova, deixando milhares de residências sem coleta de esgoto. Além do risco sanitário, o atraso pode elevar tarifas futuras, já que a concessionária precisará buscar recursos adicionais.
Qual foi o fundamento da condenação da BRK em Limeira?
O juiz Paulo Henrique Stahlberg Natal considerou que a água distribuída apresentava odor de perfume e concentração de fenol quatro vezes acima do limite da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, configurando violação dos padrões de potabilidade e causando danos morais coletivos.
O que a decisão do Tocantins implica para outras concessionárias?
Ao considerar a taxa de religação como ilegal, o tribunal reforçou que cobranças extras precisam estar respaldadas em lei específica. O precedente pode fazer com que outras empresas revisem seus modelos de cobrança e evitem multas semelhantes.
Quais são os próximos passos da BRK Ambiental no caso de Blumenau?
A empresa já apresentou recurso à 1ª Câmara Cível do TJSC e, se necessário, recorrerá ao STJ. Paralelamente, mantém diálogos com a prefeitura para renegociar prazos e garantir a liberação parcial dos recursos, evitando paralisação completa das obras.
Como esses processos judiciais afetam o panorama nacional de saneamento?
A série de decisões evidencia fragilidades contratuais e eleva a percepção de risco entre investidores. Isso pode retardar novos investimentos em concessões, dificultando o cumprimento das metas do PNSB e exigindo reformas nas cláusulas de contratos futuros.